Caras pessoas que me cercam...


Caras pessoas que me cercam,

Sei que alguns de vocês se viram ultra felizes e empolgados com a notícia de eu estar esperando um bebê -talvez até mais do que eu-, e isso, embora as vezes soe um pouco assustador pra um ser introvertido como eu, também pode ser entendido como uma expressão de afeto e cuidado. Porém, gostaria, com todo o amor do mundo, pedir que vocês pensassem e considerassem algumas coisas, já sabendo que eu compreendo a boa intenção por trás de cada uma dessas ações que apontarei:

Cada pessoa é um universo certo? E mulheres são pessoas, mulheres grávidas são pessoas! Até aqui estamos de acordo, espero. Logo, cada uma pensa, sente e vê o mundo ao seu redor, e inclusive a gravidez, de uma forma diferente. Nem toda mulher vai se sentir feliz e realizada com a notícia de que será mãe. Na verdade, independente das condições em que ela se encontre, pode ser uma notícia deveras devastadora.

Compreensível, uma vez que vivemos numa sociedade em que, como mulheres, sofremos todo o tipo de violência, o tempo todo. É difícil ao menos termos essa noção de humanidade reconhecida. Tudo o que fazemos é passível de julgamentos e represálias. Pessoas estão o tempo todo nos dizendo como deveríamos sentir, pensar ou agir, da mais simples à mais complexa situação. E isso dói. Muito. O. Tempo. Todo.

Mais uma vez, há mulheres que sentem isso de maneira muito intensa, como há as que pouco sentem, as que não estão sequer cientes, e as que negam veementemente. E tudo bem. Cada uma é um universo.

Continuando, vocês já perceberam que algumas ações derivadas dessa euforia, e exigência velada de que a mulher grávida está sentindo o mesmo, pode ser um pouco desrespeitosa, rude, invasiva, e por vezes até violenta? Você já cogitou perguntar, sem preconceitos, como a mulher está se sentindo com esse turbilhão de emoções, hormônios, medos, inseguranças e até tristeza?

A gravidez pode ser tanto a melhor, como a pior notícia que uma mulher pode receber. Pode ser também, uma coisa bem mais banal do que o esperado, já consideraram isso? Não são só adolescentes solteiras e espevitadas que sofrem com uma gravidez indesejada. Fêmeas humanas que tem relações heterossexuais, podem engravidar. Independente de métodos contraceptivos. É engraçado como cristãos acreditam que Jesus nasceu de uma virgem, mas que métodos contraceptivos não falham e, só engravida quem quer.

Outro ponto que me incomoda fortemente, é o fato de que o corpo da mulher grávida parece que se torna público. As pessoas mal olham para o meu rosto, e já miram no meu ventre, tocam meu ventre com um sorriso faminto, sem a consciência de que estão o fazendo sem meu consentimento.

Caras pessoas que me rodeiam, e que eu amo, por favor, não façam isso! Em que outra circunstância vocês tocariam o corpo de uma pessoa, de uma mulher, sem o explícito consentimento da mesma? Vocês me conhecem! Em que outra ocasião tocariam o meu corpo dessa forma? Ele continua sendo meu! Eu continuo sendo a mesma pessoa! Meus limites não mudaram! Eu continuo sendo todas as coisas que eu era antes da gestação, com o agravante de alterações hormonais bruscas.

Sei que talvez, algumas mulheres gostem desse tato, se sintam felizes com esse calor, e queiram falar sobre isso o tempo todo, muito provavelmente por ser um momento muito esperado. Mas cada pessoa é um universo. Muitas de nós ainda está digerindo e aprendendo a lidar com todas as mudanças biológicas, psicológicas e físicas que envolvem uma gravidez. Algumas nunca vão se sentir felizes nesse estado, mesmo amando e querendo muito seus bebês. Por favor, não tornem esse momento mais difícil e doloroso do que já pode estar sendo.

Muitas vezes, algumas mulheres ao querer demonstrar apoio, acabam não nos ouvindo e projetando suas próprias experiências em nós. Sei que provavelmente vocês não percebem, mas ao fazer isso, vocês diminuem nossa experiência, diminuem quem somos, com se nossa visão de mundo valesse menos que a de vocês. Por favor, não façam isso. No momento, uma palavra acolhedora e de valorização é muito mais importante e saudável do que qualquer palpite. É bom trocar experiências, é bom ouvir o que outras mulheres que já passaram por isso tem a dizer, mas o sentimento de troca precisa ser mútuo. Troca, é isso o que é. Não estou procurando um parâmetro pra validar o que estou sentindo. Se essa é a sua intenção, por melhor que seja, por favor, não diga nada.

Às minhas amigas feministas e não-mães. As vezes leio e ouço coisas que também são extremamente cruéis vindo de vocês. É muito violento o quanto mães, gestantes e crianças são desumanizadas e marginalizadas na sociedade como um todo, e a maneira como vocês tratam do assunto, é também tão violenta e desumanizadora quanto. Mães são pessoas, crianças também!

Eu entendo, de todo meu coração, as mulheres que não querem ser mães, a necessidade da descriminalização do aborto, a necessidade conhecermos melhor nosso corpo e nossos limites, assim como ampliar o acesso, e termos autonomia sobre nossa saúde reprodutiva. A gravidez não mudou um milímetro do meu sentimento sobre essas pautas. Pelo contrário, vejo ainda com mais empatia e urgência. E é essa empatia que eu gostaria que vocês tivessem com mulheres gestantes e mães. Não somos pobres coitadas. Uma palavra, e sobretudo, um ato de apoio, vale muito mais do que seus olhares e textos indicando o quanto sentem pena por termos nossas vidas arruinadas. Primeiro, que, cada uma de nós é um universo, cada uma vai viver essa experiência de uma maneira diferente e única. Por favor, não tornem isso mais difícil, solitário e doloroso do que já é.

Lembro que quando me vi como uma menina que não me adequava a esteriótipos de gênero, e me sentia tão reprimida e rejeitada por ser quem sou, sendo mulher, pude achar conforto no feminismo. Pude entender o que eram essas amarras, e que elas não eram verdadeiras, embora muito reais. Que juntas, poderíamos dar suporte umas às outras e construir um mundo mais livre, sobretudo, para as próximas gerações de meninas. As próximas gerações de meninas -e meninos-, virão ao mundo através de mulheres! Ser mãe pode ser a forma mais efetiva e potente que temos de mudar o mundo. Ouçam essas mulheres. Aprendam com essas mulheres. Estendam a mão para essas mulheres. Isso também é um ato revolucionário!

Por fim, gostaria de dizer a todos que os amo e estimo, assim como sinto seu amor e estima também. Mas não posso deixar de lembrá-los que “grávida” é um estado. Eu não sou “a grávida”, eu estou. Dispensando debates filosóficos aqui, eu sou uma artista, eu sou uma mulher apaixonada por arte, eu sou uma pessoa argumentativa e que ama conversar e debater (oi, palestrinha), detesto “small talk”, tenho um humor um pouco ácido, demoro pra me sentir à vontade em ambientes novos e com pessoas novas. Sou uma infinidade de coisas, e nenhuma dela é “grávida”. Quando for, “mãe” também será apenas uma delas.

Com amor,

Haney


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