A grande lição

Como é difícil enxergar a si mesmo.

Saramago diz que é preciso sair da ilha para ver a ilha, então precisamos sair de nós para nós enxergar. 

Gosto muito dessas sentenças curtas que dizem um universo de palavras, e que se aprofundam em significado conforme adquirimos repertório e perspectiva.

Também sempre gostei de pensar e perceber como somos nós, parte de um todo, que em sua natureza também só nos é revelado em parte. O mistério me move, me assombra e me faz querer existir para desvenda-lo, e tenho o sentimento de que o universo conspira constantemente para nosso crescimento. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

Cresci com dificuldade de me encaixar e me sentir parte desse todo. Para aplacar esse desconforto, me empenhei no exercício de ler as pessoas e os ambientes para compreende-los, não necessariamente participar. Mas entender, de certa forma já me dava uma sensação de pertencimento, sem a necessidade de me comprometer.

Assim, cultivei o hábito de observar as mais variadas ilhas, e caí na armadilha de imaginar que, por ver o que ninguém estava vendo -por falta de habilidade ou interesse-, eu podia concerta-las.

Talvez por minha ânsia de ser reconhecida como alguém importante, uma benfeitora, uma mãe fiel ou uma criança prodígio. Infelizmente, me deparei com o fato de que quase ninguém quer se ver, muito menos se concertar, e menos ainda, ser concertado.

Esse sentimento de rejeição me atravessou a existência como se me alimentasse, me degradasse e aconselhasse. Minha doença e minha cura, se retro alimentando e conduzindo minhas escolhas e minhas relações. 

Mas se somos parte de um todo, se somos a ilha e o arquipélago, será também que o que vemos no outro não é exatamente o que precisamos ver em nós? Se todo o universo conspira para nosso crescimento, será que ele mesmo não nos coloca em situações e em relações que nos forneçam exatamente as ferramentas que precisamos para tal? Será que o que amamos e o que odiamos no outro, não diz mais sobre nós do que o outro, propriamente? Será que nossa ânsia por devorar o outro, não aponta para a fome e sede que sentimos ao nos abandonar?

Me sinto uma criança magricela e petulante, completamente cega para as próprias necessidades, e que agressivamente aponta para as necessidades alheias como forma de chamar a atenção para si.

Me sinto pequena e impotente diante da revelação de minha própria essência infantilizada, que performa uma falsa maturidade como forma de obter um reconhecimento vazio e sem mérito.

Eu não sei o que fazer comigo. Não sei como viver, não sei como amar, mas estou aprendendo.

Se todo o universo conspira para o nosso crescimento, eu amo esse mistério, e aceito humildemente a lição.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Moda Underground: Steampunk

Elastique - Lançamento exclusivo Madame Sher